E quando é com você, médico?
Recentemente eu, que estudo e me preocupo com os que sofrem de fadiga por compaixão, vivi um determinado momento em que não esperava sentir o mesmo sofrimento. Mas algum tempo depois, a pessoa que mais convive comigo, meu marido, me viu chorando, me abraçou e disse: “isso é fadiga por compaixão”.
É, aquela noite era a minha vez. E assim a única coisa que pude fazer era concordar, sem nada falar.
Faltavam apenas 9 minutos para o término do meu plantão, quando apareceu um senhor sorrindo e dizendo: “a doutora vai salvar minha vida”. Todos ao redor sorriam, dizendo que ele, apesar da dor que sentia, fazia brincadeiras enquanto esperava o atendimento.
Mal sabia eu que meus 9 minutos se transformariam em quase 2 horas. Ao conversar com aquele senhor, ele revelou um quadro que parecia poder ser aliviado com um simples analgésico. Mas considerando a idade dele e a localização das dores que disse sentir, decidi seguir o protocolo para confirmar que ele não estava infartando antes de liberá-lo.
Disse então ao simpático e sorridente senhor o que seria feito a partir do que havia decidido naquele primeiro momento. Também o avisei que meu plantão havia acabado naquele dia, mas meu colega continuaria a acompanhar seu quadro. Ele então ainda sorrindo agradeceu, sendo levado para colher o sangue para os exames laboratoriais solicitados.
Aí, enquanto arrumava minhas coisas para ir embora depois de um longo e cansativo dia só ouvi alguém gritando: “Dra. Mariana, socorro! Ele precisa de ajuda!”. Corri para a sala de espera e encontrei o Sr. J., antes sorridente, agora com dificuldade de respirar e comunicar-se.
Levamos ele correndo diretamente para a sala vermelha, onde ficam os pacientes mais graves, e vi a doce senhora esposa do Sr. J. no caminho chorando assistindo nossa correria. Pensei: “depois tenho que voltar pra conversar com ela”.
Ao chegar na sala vermelha me informaram que não havia mais leito disponível para a monitorização que aquele querido paciente precisava, e eu já não via muito o que pudesse fazer. Então, me agachei na frente da cadeira onde agora o Sr. J. respirava com a ajuda de um aparelho e segurei suas mãos. Nesse momento percebi que o sorriso dele tinha ido embora, e lágrimas encheram seus olhos ao me perguntar: “Por favor doutora, me diz que eu não vou morrer”.
Engoli a seco e simplesmente disse o que nessas horas precisamos dizer: “fique calmo – estamos cuidando de você”.
Saí daquele ambiente e fui logo falar com a doce esposa do Sr. J., que havia tido uma alta súbita de pressão. Aos poucos fui acalmando ela e outros familiares também, descrevendo o que estava acontecendo e os cuidados necessários, enquanto eles tanto me agradeciam.
E eu pensava: “me agradecer porque? Eu simplesmente fiz o que o protocolo manda, e posso ter agora me despedido do sorridente senhor guardando em mim a imagem dele chorando ao segurar minhas mãos”. Mais de uma hora havia se passado e já não tinha pressa de ir embora.
Ameiiiie Mari Minha bandeira também se chama COMPAIXÃO, CONCORDO com tudo o dito e compartilhou tua angústia também já 21 anos de medicina, te amo te admiro, lindaaaa sentirei muitas saudades de ti, mas te seguirei , eu fiz hematologia e chorava cada vez que perdia um paciente, aí fiz cuidado paliativo para entender o sofrimento e a morte de forma mais natural…
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Parabéns Dra. Mariana… sua sensibilidade e compromisso com a pessoa humana me inspira a continuar a minha missão. Um grande abraço!
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